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Primeiro contato

 

Olá.

Você tá bem?

 

Caso a opção seja “sim, tô bem” e variações hiperbólicas, continue.

 

Caso a opção seja “não, hoje definitivamente não é um bom dia”, vem cá e dá um abraço.

Eu realmente acredito que um abraço bem dado possa curar qualquer dia ruim.

 

Se você está aqui talvez me conheça.

Mas não custa me apresentar de novo.

Na verdade, custa. Morro de preguiça de apresentações, prefiro já tratar qualquer pessoa que me chega como se já tivéssemos um longo repertório de memórias em comum. Me dou assim, sem reservas e vou me tomando de volta ao decorrer do tempo até me tornar novamente desconhecido.

 

Eu me chamo Wigvan, juro, tá assim no registro ao lado de um "Junior" que nunca entendi. 

 

Não ligo tanto para o meu nome, deixo as pessoas me chamarem daquilo que elas preferem. (sempre me sinto como a Eva da poesia de Ada Limón sussurrando aos animais: “name me, name me”.)

 

Também não ligo para títulos e a única coisa que me importa que as pessoas saibam ao meu respeito é que eu sou um fofo.

 

Só que não dá para falar “oi, eu sou um fofo” sem parecer pedante ou pretensioso ou ridículo. E definitivamente eu não quero que ninguém pense que eu sou pedante ou pretensioso ou ridículo, afinal tô aqui querendo vender um ebook.

 

Você vai ter que descobrir isso aos poucos. Pode levar anos, quiçá séculos e a forma mais eficiente é lendo aquilo que eu escrevo. Ao vivo eu sou aquele moço que parece um bloco de gelo, mas é que quase sempre estou me concentrando para não derreter. Na escrita, eu me permito derretimentos.

 

 

Carreira literária

 

 

Minha carreira literária começou em uma tarde de calor pavorosa de 1994 quando eu escrevi o meu nome inteiro em todos os talões de cheque do Papai (vou chamá-lo de "papai" porque hoje é dia dos pais e estou extremamente sensível à amorosidade paterna). Meus pais foram fazer as compras do mês e qual não foi a terna surpresa de "own, que gracinha, ele aprendeu a escrever o nome" alternando com o desespero "como a gente vai fazer para pagar agora?" com picos de "MAS POR QUE VOCÊ FEZ ISSO, WIGVAN JUNIOR?" - um artista incompreendido desde a primeira infância, como você pode perceber. Praticamente um Rimbaud.

 

Não sei ao certo quando eu pensei que queria ser escritor. Escuto muita gente dizer que "nossa, sempre sonhei em publicar livros", "foi quando li Shakespeare no original em francês" ou "foi depois de ler toda a coleção de clássicos russos no original em alemão". Só sei que no meu primeiríssimo dia de aula, antes de aprender a copiar coisas do quadro ou de ser torturado com aqueles malditos cadernos de caligrafia, a professora perguntou o que todos queriam ser quando crescessem e eu respondi convicto:

 

"Eu não quero ser, eu já sou: es-cri-tor."

 

Ninguém entendeu. Provavelmente foi também a primeira vez que precisei visitar o psicólogo da escola, coisa que se repetiu quase semanalmente durante os quatro anos que estudei lá.

 

Mas eu era tão convicto, não apenas de que era escritor, mas de que eu era o novo sopro da literatura mundial, que acabei convencendo as pessoas aos poucos também.

 

Meu primeiro grande prêmio foi ainda naquele ano de 1995. Houve um concurso cultural em toda a escola com o tema: o que é a solidão para você? O prêmio era um estojo dos Bananas de Pijamas e eu realmente precisava daquele estojo, canetinhas, tantas cores!, giz de cera, lápis de cera também!, tinha até uma lupa e uma régua e era tão lindo, tão maravilhoso, não podia mais pensar num mundo em que eu não pudesse ter um estojo dos Bananas de Pijamas.

 

Lembro que eu me dediquei muito a pensar sobre o que era a solidão. Agora me diga qual a finalidade de uma escola fazer isso com uma criança? O motivo de eu ter escolhido fazer faculdade de Filosofia pode ter começado aí. Não tenho a mínima ideia do que escrevi, mas o título da redação foi preservado durante os anos no certificado que a escola fez para me anunciar o grande campeão: "Solidão é ir ao banheiro com a porta aberta."

 

No fim do ano recitei uma poesia sobre a árvore na festa de fim de ano. Chorei de desespero ao esquecer um verso, mas olhei para a minha mãe na plateia, lembrei das conversas que tínhamos quando ela regava as plantas e criei ali, de improviso, uma ode às arvores que morrem pelas mãos dos homens. "Um ator", diziam. "Como ele fala as palavras com sentimento! Quanta profundidade!" - para você ver o quanto meu público entendia de poesia.

 

No meio do ano seguinte eu entreguei uma nova obra de arte depois de a minha mãe me levar para conhecer o depósito de lixo da cidade. Ela queria me mostrar que viver podia ser bastante triste e eu realmente fiquei impactado com aquilo. Era dia dos médicos e a escola resolveu que a gente era obrigado a escrever algo para algum médico, mas eu não queria escrever nada para médico nenhum, odiava médicos, daí me lembrei de que o prefeito era médico e escrevi para ele uma longa carta contando sobre a vida dos moradores do depósito de lixo. Passa um mês e de repente chega fotógrafo, jornalista e o próprio prefeito. Me fotografaram, saí no jornal em uma matéria que foi lida pela minha mãe durante uns dez anos para toda e qualquer visita. Até hoje, se brincar, se você perguntar, "Então, como vai o Wigvan?", é possível que ela fale: "Menina, nem te conto: ele saiu no jornal". (ela só não menciona o fato de que isso aconteceu em 1996.)

 

 

Ninguém duvidava mais de que eu era escritor. Passei a participar de todos os recitais, Casimiro de Abreu, Manuel Bandeira, Gonçalves Dias, Castro Alves - mas a minha maior glória foi recitar "O operário em construção" e conseguir com isso ouvir a minha primeira declaração de amor. O nome dela era Bruna, só nos falamos naquela noite, tristes tempos sem redes sociais!, mas ela me disse que me amava e que queria se casar comigo. Me despedi dando um beijo na sua mão, como eu vira o Leonardo DiCaprio fazer em Titanic e provavelmente ela deve ter suspirado por mim pelos próximos cinco dias até conhecer o novo amor da sua vida. Ah, os amores da infância! Tão fulminantes! Tão fugazes!

 

Escrevi uma linda poesia para a Bruna, mas daí conheci a Rafaela, o Ricardo, a Érica, o Cristiano, a Angélica, o Júlio... Deve ter sido assim que eu percebi a complexa relação entre o amor e a minha escrita: eu escrevia para conseguir que as pessoas me amassem e amava as pessoas para conseguir escrever.

 

 

Citações preferidas

 

"Não contém glúten!"

 

"Calma, você também já foi um aprendiz!"

 

Sobre o autor

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